O policial militar aposentado Mizael Bispo de Souza foi condenado na tarde desta quinta-feira (14) pela morte da advogada Mércia Nakasima, ocorrida em 2010. A pena é de 20 anos de prisão em regime inicial fechado.
O júri popular durou quatro dias e terminou por volta das 17h40 no
Fórum de Guarulhos, na Grande São Paulo. O juiz Leandro Cano afirmou, na
sentença, que o réu demonstrou "insensibilidade" e conduta "desprezível
e repugnante".
Mércia era ex-namorada de Mizael e foi encontrada morta em uma represa
em Nazaré Paulista, no interior de São Paulo, em junho de 2010. Ela
havia desaparecido em 23 de maio, após sair da casas dos pais em Guarulhos.
O juiz falou, na sentença, sobre uma das qualificadoras do crime,
motivo torpe ou fútil. Segundo o magistrado, não foi "amor", mas
"delírio de posse" que levou ao crime. "Sentimento amor não faz sofrer. O
instinto de propriedade, que é o contrário do amor, é que faz sofrer."
Presente em plenário, a família de Mércia ficou feliz com a decisão. A
irmã Cláudia Nakashima comemorou a pena e gritou "assassino" e
"maldito". Enquanto isso, a mãe, Janete Nakashima, chorou. Mizael ouviu a
sentença quieto e cabisbaixo.
Debates entre defesa e acusação antes da condenação
Antes da decisão dos jurados, houve os debates entre defesa e acusação.
O promotor Rodrigo Merli Antunes afirmou que Mizael tinha motivos para
cometer o crime. Segundo ele, o réu se sentia rejeitado pela
ex-namorada. O promotor ainda declarou que, para tirar o PM aposentado
da cena do crime, seria preciso que todas as provas presentes no
inquérito fossem coincidências.
"O réu Mizael Bispo de Souza matou, sim, Mércia Nakashima e tinha, sim,
motivos para isso, se sentia rejeitado, se sentia 'o lixo dos lixos' em
email trocado [com a vítima] em abril de 2010", declarou o promotor.
Na sua fala, ele rebateu a tentativa da defesa de Mizael de
desqualificar a série de provas. "Não existem excesso de coincidências. É
preciso acreditar que o sangue não é sangue, que a alga não é alga, que
a prostituta existe, que o rastreador falhou, que o Evandro foi
torturado para que ele seja inocente", afirmou o promotor.
Para o Antunes, as provas técnicas colocam o réu na cena do crime. “As
antenas de celular demonstram que ele ficou no encalço da vítima junto
com o senhor Evandro", observou. Ele lembrou que Mizael tinha uma linha
telefônica cujo número não foi informado para polícia. Com ele, Mizael
fez diversas ligações no dia do crime para o vigia Evandro Bezerra da
Silva. Ao ser questionado por que parou de usar essa linha após dia 23
de maio, segundo Antunes, Mizael responde: “[Parei] porque eu virei
suspeito”. “Para mim, isso é confissão. Se não fez besteira nenhuma, não
precisava [parar de usar]”, observou.
O advogado de defesa, Samir Haddad Júnior, afirmou que o réu “é incapaz
de matar alguém”. A apresentação da defesa durou cerca de duas horas, e
Mizael acompanhou a argumentação sentado, com a cabeça baixa e as mãos
no rosto. O Ministério Público abriu mão da réplica.
O defensor afirmou que a equipe de advogados que representa Mizael
‘desmontou’ toda a tese da acusação e disse que nos autos existem
“pinóquios e mentirosos”. A crítica foi na mesma linha da feita pelo
advogado Ivon Ribeiro, que disse que o promotor Rodrigo Merli e o
assistente de acusação “não foram capazes de abrir um volume e mostrar
onde está a prova".
Ribeiro chamou de "fanfarrão" o delegado Antônio de Olim, que
investigou o caso no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa
(DHPP) e disse que "todo mundo quis a cabeça" de Mizael. "O doutor Olim
chegou aqui com a maior cara de pau. Estou para ver um cara mais
mentiroso do que ele", afirmou. "Precisaram mudar o horário do crime
para encaixar as ligações", disse, em relação às ligações feitas por
Mizael em Guarulhos e que tirariam o réu da cena do crime.
Interrogatório do réu
Nesta quarta-feira, Mizael depôs no Tribunal do Júri. A acusação
afirmou que não faria perguntas em razão de ele já ter apresentado
diferentes versões sobre o caso e que as provas são claras.
O réu mostrou a mão direita, onde não tem um dos dedos, afirmando que
não consegue atirar com essa mão. Mizael é destro. O policial reformado
usou a palavra "Deus" diversas vezes e afirmou que não tem "coragem de
tirar a vida de nenhum ser humano". Suas duas armas estavam
regularizadas, relatou, e tinham até "casa de aranha dentro" pela falta
de uso.
Sobre o fato de ter ficado foragido, o policial reformado disse que é
atitude normal de um inocente. "Quem deve tem que pagar. Quem não deve
tem que se rebelar", afirma. "Estou sofrendo tanto com isso. Três anos.
Melhor a morte do que ficar preso", afirmou.
Mizael afirmou que foi vítima de uma armação da polícia, que "queria um
culpado". Foi o argumento usado para justificar a alga compatível com a
da represa de Nazaré Paulista achada em seu sapato. "Levaram meu sapato
lá [para a represa]. Eu nunca estive na represa de Nazaré. Juro pela
vida da minha filha." Mizael afirmou que foi torturado, assim como seus
irmãos, e que policiais chegaram a apontar-lhe uma arma em um posto de
gasolina obrigando que ele confessasse que tinha matado Mércia.
O réu disse que tinha um relacionamento normal com Mércia, e que tinha
apenas brigas de casal comuns. Um jurado perguntou por que a família
quer culpar Mizael. O réu recordou então que não foi ao casamento da
irmã de Mércia, no qual seria padrinho, e que isso causou mágoa na
família.
Testemunhas
As testemunhas de defesa e acusação falaram nos três primeiros dias de
julgamento. Entre os ouvidos, estavam o delegado Antonio Assunção de
Olim e o irmão da vítima, Márcio Nakashima. O delegado foi o responsável
por investigar o caso pelo Departamento de Homicídio e de Proteção à
Pessoa (DHPP). “Eu não tenho dúvida nenhuma de que o Mizael matou a
Mércia”, disse Olim no júri.
Durante mais de cinco horas, o delegado falou sobre o percurso feito
pelo réu no dia da morte de Mércia, com base no rastreador instalado no
veículo. Segundo Olim, Mizael desconhecia o fato de seu veículo possuir
um rastreador que foi instalado pela seguradora a pedido de Mércia. O
delegado falou também sobre ligações telefônicas feitas por Mizael e
que, segundo o registro das antenas de telefonia, mostram que o réu
esteve em Nazaré Paulista
.
Durante quatro horas, Márcio Nakashima alinhou os argumentos que
sustentam sua desconfiança em relação a Mizael , que ele o descreveu
como possessivo. "No início era um relacionamento normal. Depois ele se
transformou, virou um sujeito possessivo", afirmou.
Júri
Segundo o Tribunal de Justiça, o julgamento de Mizael foi o primeiro do
país transmitido ao vivo. Pelo vídeo foi possível acompanhar não só os
depoimentos como as brigas quase que diárias entre acusação e defesa,
que já chegaram a chamar a outra parte de 'mentirosa'.
O vigia Evandro Bezerra Silva, que também é réu do caso, acusado de
ajudar Mizael, só será levado a julgamento no dia 29 de julho.
Fonte: G1